Meras tentativas. 08:41

Quando tentei ser mais esperta, bancando a inteligente e arquitetando cada passo dado. Tropecei com o acaso naquela esquina. Quando eu tentei não me impor, não dizer nada, não sentir nada, não exagerar em nada. Me encontrei com o espelho e me surpreendi com o reflexo de uma situação inusitada. Quando eu tentei ser menos coração, mais razão, pé no chão. Me vi trancada em quarto escuro. Pra evitar tudo, briguei com o mundo. Comigo mesma, deixei pra depois o amor, pra não rimar com dor. Tentei me poupar, tentei não gritar. Calei. E aquilo corroia, arranhava, esmagava tudo aqui dentro. Tentei ser forte querendo não querer, fingindo não saber, mentindo não sentir e fugindo por fugir. Me seqüestrei sem direito a resgate, eu quis ser minha. Quis não dividir nada, me julguei merecedora do quanto eu poderia me dar, entregar, amar. Eu tentei não me largar, não deixar escapar um pedaço se quer dessa coisa toda de número dois, essa fórmula que inventaram esse querer de querer bem o outro e namorar na almofada pra dormir bem depois. Tentei dispensar as almofadas, recusei o óbvio, recusei com pressa. Tentei não acreditar em destino. E virei fã de coincidências. Deixei pra lá tudo que rimasse com semelhança, com afinidade. Com medo de ter certeza, pois tendo certeza tudo é mais seguro. É certo. E eu quis não me manter a par de nada, olhei pros lados e disfarcei cada olhar certo, fiz dos meus incertos e tentei me conter. Contradição. Tudo em vão, meras tentativas, tudo em vão. Pois nenhuma fantasia resiste a uma realidade absurda. Nenhum faz de conta, resiste a uma história real. Ninguém pode ser alguém a não ser você mesmo. E de nada adianta procurarmos mil motivos pra ir se mil acasos nos fazem ficar. Senti saudades de mim. E depois de tantos tombos, eu ainda prefiro a queda, o risco, o erro. Do que manter inteiro um coração resignado. Prefiro um triz, a fração de um segundo, as pazes com o mundo, com o destino, com o meu sorriso, com o acaso. Redescobri o poder que tem um abraço. E voltei a acreditar que coração nenhum consegue ser de aço.

Quando ele não liga. 05:24

O cara pede o número dela, ela espera. Até toma banho com o celular na saboneteira, e ele não liga. O cara não liga e o prazo é duas semanas. Uma de espera e a outra de desespero. Um misto de ansiedade e esperança faz a moça perder o sono e se culpar por tudo o que deve lá não ter que não agradou o carinha. A primeira semana até que é tranqüila, vale até falar com o espelho testando tom de voz e separar a roupa pro próximo encontro, claro que eles vão sair, como não? E o cara ainda nem ligou. E já estão lá o vestido, sapatos, o tom de voz e o melhor ângulo pra dessa vez não perder o da vez. Tudo bobagem. Sete dias, uma semana. E nada. Ela também não liga, e se tinha o número a essa altura do campeonato já apagou, pra não correr o risco de ligar pra ele. Pois muito bem. Segunda fase. O vestido volta pro armário junto com os sapatos e aquele ângulo que não ia falhar de certeza foi parar na gaveta junto com tantos outros. Coitada. Ele ainda não ligou, e já estamos no décimo dia. Como não? O que eu tenho, ou não tenho? O que falta? O que ele quer? Será que são meus olhos ou aquela celulite? Será meu cabelo? Minha boca, meu jeito? Ela se pergunta, querendo resposta. Em vão. Antes do prazo terminado já com a paciência por um fio e a esperança por meio desse fio. Ela começa a se desculpar por ele, a criar desculpas sem pé nem cabeça pra justificar o esquecimento ou mesmo por não querer encarar que não foi dessa vez. E imagina que ele não ligou por que a avó deve estar doente, por que pode ter ido visitar um parente, pode estar em uma floresta deserta, o celular pifou, ele perdeu o número, será que eu dei o número certo? E se ele estiver me procurando, ou estiver esperando eu ligar? Ah... E por tantos outros motivos que não convencem nem criança na troca de um pirulito. E vem agora a fase do deixar pra lá, e promete nunca mais esperar ligação de cara nenhum, promete não separar a roupa e se ele ligar a voz vai estar rouca mesmo, se aparecer o rosto vai estar inchado, e que não vai mais se programar pra uma expectativa em vão. Tudo mentira. E ela promete, jura, vai pra academia, por um momento esquece, esquece a celulite, esquece o carinha e esquece de esperar pela ligação dele. Esquece ali, naquele instante. Pois basta o próximo pedir o número pro prazo voltar e ela esperar. Esperar por esperar. Tudo de novo. Vai dizer que não?

O que não entra na cabeça de mulher. É que se o cara quer, ele liga. Se ele está afim de você, ele vai te procurar e não vai ser porque o celular por um descuido caiu na vala que ele vai desistir de você. Se ele não ligou. É simples. Não foi. Não era pra ser. O problema não é a sua celulite ou sua raiz do cabelo que está por fazer. O problema talvez não seja nem nele. Ou talvez até seja. Mas quer saber? Pouco importa. Homens problemáticos por aí tem aos montes, mas poucos que vão merecer você. Mulher é bicho desesperado, o cara esbarra na sua caipirinha e pronto, já pensa em casar, ter filhos e comprar uma casa na praia. Coitada. Não programe. Não se precipite. Não exagere. Não corra na direção contrária. Seja paciente e viva tudo no seu tempo certo. Sem forçar a barra, sem forçar nada. Sem dizer nada. Seja você, rouca, louca, boba, tola. As coisas são como são no tempo exato. Se ele gostar de você, vai ligar, vai procurar e vai exagerar assim como você. Vai esperar pelo próximo encontro, vai separar a roupa, ensaiar a voz rouca e vai gostar de você louca, boba, tola (...) !

Pra te chamar de meu. 07:25

Com você eu guardo segredos que não sei contar. Pra você eu conto segredos que não sei guardar. Uso palavras que não sei soletrar. Invento mistérios que não sei desvendar. Faço barulho pra não silenciar. Calo a boca pra não te incomodar. E grito pra te assustar. Não uso mentiras pra te impressionar. E digo verdades pra te fazer ficar. Não disfarço o medo. Não sei conter o riso. E me visto de um sentimento incontido, não proibido. Você sabe o jeito certo de fazer tudo bagunçar. Virar. Descontrolar e no tempo certo voltar pro lugar. Hoje eu te quis um pouco mais perto, arrastei tua cadeira até que ela encostasse na minha e me instalei no teu ombro. Por um instante. Naquele instante. Desmontamos. Quebramos. Viramos poeira. Eu e minhas teorias. Criei coragem e me desarmei pela metade, pois você cuidou de todo o resto. Me fez refém e eu me rendi. Entreguei os pontos. Joguei a toalha. Esqueci o jogo. E quis mais de você. Quis você inteiro. Quis te chamar de meu. Quis ser tua. E naquele instante, quis mais um bocado dessa coisa toda que é ter você só pra mim. Naquele instante esqueci tudo o que me ensinaram sobre impulso e sobre o mau caráter dos homens. Senti o coração esfriar, esquentar, acelerar, relaxar. Senti tudo. Senti paz. Senti você tão perto, mas tão perto... Que quis esquecer o instante por sentir medo. Foi então que eu voltei pra casa e me esqueci em você. Pensei no instante, pensei em você e em não te esquecer. Estalei os dedos e acordei pela metade, com uma saudade do seu formato em mim. Quis você de novo. Sem medo, sem culpa, sem espera, sem jogo. E é nessa contradição, é nesse misto de sentimento e medo que eu te encontro, e me perco, sem pressa nenhuma de achar o caminho de volta.

Não cabe mais. 20:38

Por um ângulo diferente, onde o torto distorce mais ainda, a vista de embaçada parece tão convicta do que vê que senti medo. O sutiã aumentou de número, a vida tomando enfim um rumo e um jeito de menina que não me cabe mais. E esse medo de ser mulher me tirou o sono, é ameaçador, de um jeito que impõe, sem mais motivos, sem regras...
Salto alto e batom vermelho faziam parte do time de lá, e eu cá, com meus contos fantasiados em cima da minha Vida real. Entre romances melosos e o mau caráter dos homens, eu me equilibrei no scarpin vermelho e segurei no corrimão da escada pra não correr o risco de tropeçar, pra não arriscar, por medo, por medo de não agüentar, de não suportar e principalmente não acreditar. Não acreditei em mim mulher, e me abracei em forma de menina, de um jeito tolo como criança tola, bati o pé, quis proteção, segurança, certeza. Chorei comigo, pedi abrigo. Não quero nuvens de aço, cadê meu algodão? Os romances e a certeza do final feliz... Cadê?
Sabe aquele vestido rodado? Não cabe mais. Sabe a barra da saia da mãe? Não cabe mais. Sonhos se transformaram em planos por não caber mais. Não cabem mais os sapatos. O meu medo. E deixar pra depois, não me cabe mais.
E eu quis correr escada abaixo, a vontade era de fugir, largar, não encarar, abrir mão. Mas segurei firme, apertei os dedos gelados contra a bolsa e enfrentei o bicho, o próprio espelho. Me encarei. Eu e todo o meu medo. Contra mim e toda minha coragem. Pés firmes. Eu aceitei a condição. E descobri que ser mulher é muito mais do que supunha. É coragem. E não só aumentar o número do sutiã. É aumentar o número do grau de responsabilidade. Ser mulher é mais que salto agulha em sábado à noite. É o equilíbrio constante em situações diárias. Ser mulher é deixar de ser menina, sem deixar de acreditar em criança. É ter medo com coragem. É dar um tiro no escuro. É um risco arriscado muito bem recompensado. É entrega. Conquista. Sou eu contra mim mesma. Eu dependendo de mim. Sem mais. Ser mulher é como escrever um livro, onde todo aquele medo faz valer à pena cada capítulo.